Muitas vezes, quando uma pessoa pergunta para outra se ela
gosta de funk, escuta-se a seguinte resposta: “claro que não, eu tenho
cultura”. É sobre o funk como cultura que vou escrever hoje, tentando mostrar,
primeiramente, o que é cultura do meu ponto de vista, onde o funk se encaixa
nessa cultura, e qual a sua repercussão na sociedade.
Quem nunca?
Cultura, do meu ponto de vista, é tudo aquilo que o homem
transforma a partir da natureza, tudo que ele cria a partir da mesma para seu
convívio e a maneira como ele o faz. Ou seja, Cultura é tudo o que é humano,
tudo que é produzido pelo homem, seja um prédio, uma folha de papel, um idioma,
uma comida típica, etc. Costuma-se confundir cultura com Tradição, pois as
tradições tendem a caracterizar um povo, sendo parte integrante da sua cultura.
Pode-se dizer que toda tradição é uma cultura, mas que, definitivamente,
cultura não é apenas tradição, pois se em determinado momento de uma sociedade
surja alguma manifestação nova, como por exemplo, o rock’n roll na década de
50, essa manifestação no momento de seu nascimento não é tradição, mas é
cultura, pois é manifestação da sociedade em que foi concebida, tendo sido
produzida pelo homem, sendo então cultural, podendo posteriormente virar
tradição se perdurar por longo tempo através das gerações como algo
característico de um povo, grupo, tribo, etc.
Dentro dessa concepção de cultura, o funk encontra-se
cabível, pois é produzido pelo homem, criado por ele em determinado contexto
histórico como fruto de seu tempo, refletindo aspectos da sociedade em que ele
nasceu assim como o rock’n roll citado no parágrafo anterior. Agora, quando
dizemos que Funk não é cultura em comparação com outros gêneros musicais,
acabamos hierarquizando culturas, o que é errôneo do meu ponto de vista.
Se toda a natureza que o homem transforma pode ser
considerada como cultura, não há como definir qual é a melhor ou qual a pior,
pois o homem, ao longo da história, transformou a natureza de acordo com suas
necessidades de diferentes maneiras. Por exemplo, meu professor de medieval
sempre diz que para muitos estudiosos a roda é sinal de desenvolvimento em
determinadas sociedades se comparadas com outras, o que nem sempre pode ser
verdade. Ora, que utilidade poderia ter a roda numa civilização que vivesse nas
montanhas, como as andinas? Isso quer dizer que elas eram menos desenvolvidas?
Ou ainda, a falta de trabalho com metais de nossos índios é um sinal de uma
sociedade subdesenvolvida, ou sinal de uma sociedade que acabou não necessitando
manipulá-lo para garantir sua subsistência? Pensando dessa maneira, acaba-se
concluindo, de maneira equivocada, que as sociedades possuem estágios de
desenvolvimento pré-determinados, sendo que algumas alcançaram estágios
culturais mais elevados do que outras em períodos diferentes de tempo, onde, quando
comparadas, algumas se encontram em estados menos desenvolvidos de cultura do
que outras em níveis mais elevados. Tal perspectiva acabou justificando, muitas
vezes, a exploração ao longo da história das que eram consideradas inferiores pelas
que se diziam mais desenvolvidas.
Voltando agora para a questão musical com a noção de que
qualquer forma de hierarquizar culturas acaba sendo errônea, afirmo que o funk
é tão cultura quando o rock, o reggae, a música clássica, o rap, o samba e
todos os outros gêneros musicais. A qualidade da musica é subjetiva, porque
depende da opinião das pessoas, que podem gostar mais de funk do que rock ou
vice-versa, por exemplo. De modo geral, não há melhor ou pior, a não ser dentro
da concepção e dos critérios que cada um usa para avaliar o que é melhor ou
pior.
Referente às influências que o funk pode causar na
sociedade, vemos argumentos afirmando que é uma música que influencia a má
conduta, a imoralidade, o crime, a ostentação de coisas materiais e todo tipo
de malefícios. Isso é relativo, pois nem sempre a pessoa vive o que escuta, e
nem sempre o artista canta o que vive. Tudo depende de como o receptor da
musica vai levar o que está ouvindo, se vai levar a sério ou não. Às vezes pode
ser que a pessoa escute só pela batida para dançar numa festa, ou por que gosta
da melodia, das rimas, acha engraçado ou goste da letra. Enfim, se eu
considerasse que determinadas letras podem levar as pessoas a cometer atos
errados eu teria de parar de ouvir a banda de countrycore Matanza, ou me
tornarei um misantropo, bêbado, briguento, infiel, psicopata e viciado em jogos
de azar. O ideal então seria produzir musicas que só defendessem a moral e os
bons costumes da família para que vivêssemos em uma sociedade harmoniosa e
feliz? Uma sociedade assim só no paraíso, se é que ele existe. Temos de levar
em consideração de que a sociedade é dinâmica, está em constante mudança, não é
estática, de valores imutáveis. Por exemplo, o rock era considerado uma má
influência para os jovens nos seus primórdios, hoje, para muitos, é sinal de
bom gosto musical. No Brasil, para muitas igrejas, o rock gospel era
considerado como mundano e deturpador dos valores religiosos, atualmente, é
considerado como uma ferramenta de evangelização, sendo que há bandas que fazem
um som mais pesado do que muitas bandas não cristãs. Pode ser que, futuramente,
o funk não seja visto com tanto desdém como muitas pessoas o enxergam
atualmente, como uma má influência para a sociedade. Reafirmo ainda que o funk
é fruto dessa mesma sociedade, é uma representação de características desta,
sendo que há uma demanda por esse tipo de música, pessoas se identificando com
ela, ou seja, que antes de ser uma influência para a sociedade o funk é fruto da
mesma, e que enquanto existir pessoas querendo escutar esse tipo de música ela
continuará sendo produzida.
Concluo o texto com a frase do título: Funk é Cultura sim,
pois é produzido pelo homem, resultado de seu tempo, característica de uma
sociedade e representante de uma parte das pessoas que a compõem. E não, eu
particularmente não gosto de funk. Obrigado, até a próxima e ESPEREM PELO PIOR.
Obs: Quando uso o termo funk, refiro-me propriamente ao funk
carioca e seus derivados.
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Documentário interessante sobre o Funk Ostentação:
Um funk que eu acho que tem a letra boa:
Matanza, citado no texto:
Quando me refiro a Rock Gospel pesado:
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